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Enfermeira em Berkshire UK | “Quando se vai, devemos ir sempre de braços abertos”


Posted by | October 28, 2013 | Migration Testemonies

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O meu nome é Cristiana, tenho 24 anos, sou natural do Porto, licenciei-me na Escola Superior de Saúde da Universidade de Aveiro, em 2011, e trabalhei como enfermeira em regime de prestação de serviços, numa unidade de cuidados continuados, em Gaia. Atualmente, vivo e trabalho em Inglaterra, no condado de Berkshire.

Defino-me como uma pessoa independente, introvertida, mas muito comunicativa. Aventureira? Talvez. Gosto especialmente de viajar e observar os espaços e as pessoas que os fazem, como constroem o seu ambiente e como o preservam no seu estilo de vida. Gosto de aprender e reaprender o mundo, na sua unicidade múltipla quotidiana. Gosto de experimentar.

Gosto de cuidar, de atentar aos pormenores, de partilhar as vidas e vivências de cada um que conheço e julgo que foi neste contexto que desde pequena desejo ser enfermeira. E escrevo o verbo no presente, porque acredito que ser enfermeira, assumir o papel de enfermeira, requer uma construção diária. Nunca me imaginei a exercer qualquer outra profissão, embora nos últimos tempos, essa tenha sido uma questão que venho colocando, na medida em que exercer Enfermagem é um desafio e risco constante, e no entanto, sinto que nem sempre se é devidamente recompensado, em termos de condições laborais (oh, o eterno problema do salário …).

Porquê Inglaterra?

Quando iniciei a licenciatura, o desafio foi mudar-me de cidade. Embora não ficasse a dormir em Aveiro, passava a maior parte do dia na Escola. O contacto presencial diário com os amigos acabou, as festas e as partilhas ficaram mais espaçadas. A realidade deles era completamente diferente da minha. Embora estivéssemos todos na Universidade, eles estudavam todos no Porto, menos eu. A adaptação foi tremendamente difícil, porque apesar de gostar imenso de ir, existe uma parte de mim que adora ficar.

berkshireEntrei para a Universidade no ano da crise financeira. O que conhecíamos até aí mudou bruscamente e, ao longo do curso, compreendi que o futuro seria completamente diferente do que havia planeado até então. Exercer a profissão na instituição que pudesse escolher, na unidade com que me identificasse não iria ser decerto uma realidade. Quando terminei o curso, nem numa qualquer instituição aleatória consegui. Meses mais tarde, após uma saga infindável de envio de CV’s, surgiu a oportunidade de trabalhar numa Unidade de Cuidados Continuados, em Regime de Prestação de Serviços. Nessa altura, inclinava-me mais para a parte de mim que adorava ficar e partilhar a vida com as pessoas que amo. Aceitei. 10 meses mais tarde demiti-me. Não compreendo como é possível tratar os trabalhadores da forma como a classe empregadora portuguesa trata os seus, neste momento. Trabalhei a Recibos Verdes durante este período, com 3 meses de salário em atraso. Compreendi que apesar das promessas que faziam, nunca iriam melhorar de forma que pudesse garantir a minha independência financeira. Se por um lado queria partilhar vivências com os amigos e família, experienciar coisas novas, por outro não tinha dinheiro para o fazer.

Muitos são os jovens que saiem do país para trabalhar, e Enfermagem é uma profissão que exporta bastante, pelo que já conhecia imensos colegas a trabalhar no estrangeiro. Entre a Suíça e a Inglaterra, optei pela língua mais simples. Escolhi Inglaterra porque se fala o inglês, porque já conhecia a realidade relatada pelos colegas que já aqui se encontravam e porque tive a sorte de tomar a decisão de sair em paralelo com duas amigas que trabalhavam na mesma Unidade que eu. Escolhi Inglaterra porque fica a duas horas de casa e porque a cultura já nos é bastante familiar. Escolhi Inglaterra porque, dentro do leque de opções, esta foi a mais confortável para me aventurar fora de Portugal. Estas foram as minhas razões. Claro que a perspetiva de progressão na carreira, a possibilidade de formação continua, etc., também pesaram na decisão.

Como se processou a escolha do local de trabalho?

Uma vez ter decidido qual o país para o qual viajaria, a escolha tornou-se mais simples. Primeiramente, comecei por pesquisar por ofertas de trabalho, nos sites das empresas de recrutamento. Após ter percebido quais as cidades disponíveis, fiz uma pesquisa do custo de vida em cada cidade, tendo sempre presente que quereria ficar numa cidade próxima de um aeroporto e perto de Londres. Nunca foi meu apanágio trabalhar em Londres, não me identifico com o quotidiano londrino, embora adore visitar a cidade. No final, já só restavam duas cidades. Optei pelo hospital que recrutava diretamente para o Trust, em vez de recrutar para a agência que trabalhava para o Trust. E assim aqui vim parar…

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E a adaptação?

São raros os dias em que me lembro da viajem para Inglaterra. Não gosto de recordar a vinda, não escondo: foi-me muito doloroso. Nunca tinha viajado para fora de Portugal, tinha uma ideia antiga de emigração que, por mais que tentasse combater, era a única que conhecia, não sabia quando regressaria de novo à minha terra, à minha gente, tinha uma noção muito vaga do que me esperava. Hoje, sinto que a minha adaptação não poderia ter corrido melhor. Todos os dias são uma aventura, uma descoberta de algo novo, um desbravamento de caminho, mas penso que esse é o gosto da vida. Dar um passo para lá da tão famosa zona de conforto, puxar os limites, faz-nos conhecer o que de melhor e pior há em nós, o quão determinados e fortes somos, o quão fracos e pequenos podemos ser. Como todos, uns dias são melhores, outros piores, mas de uma forma geral, a experiência tem sido muito positiva.

Tenho vindo a concluir que a crise que assolou Portugal, independentemente da culpa, foi para nós jovens uma oportunidade: enriquecermo-nos enquanto pessoas e cidadãos do mundo. As experiências que tenho vindo a ter, sei, nunca as teria em Portugal, não porque o nosso país seja menor que qualquer outro, mas porque é a nossa casa. E quando estamos em casa, os riscos são muito menos e menores.

Quais são os principais constrangimentos encontrados a nível social e profissional?

Só quem tem a possibilidade de conhecer a realidade estrangeira compreende que a galinha da vizinha não é definitivamente melhor que a minha. Inglaterra é um país multicultural, onde se encontram todas as raças, culturas e línguas, onde todos se tentam respeitar e ser respeitados. Isso é ótimo, na minha opinião, uma vez que é difícil sentirmo-nos estrangeiros num país de estrangeiros. Existe uma empatia com o próximo… Porem, sinto que Inglaterra é um país que se torna desleixado com os dias que passam. As pessoas, de um modo geral, são tolerantes q.b., mas por vezes sinto que existe um certo xenofobismo ou racismo, dependendo de quem o pratica. Pequenos gestos, pequenas palavras que no meio de um dia, indicam alguma mudança, num país onde a descriminação é punida por lei.

Quanto ao nível profissional, existem algumas diferenças, nomeadamente na independência técnica que os enfermeiros, uma vez aqui chegados, não têm. Para se fazer cateterização, punção venosa, colocação de tubo nasogástrico, é preciso ser avaliado primeiro, e só depois é que se pode ser fazer o procedimento sem supervisão. Isso é bastante limitativo para que está a trabalhar sem os “assessments” e para quem está a fazer turno com esse enfermeiro, pois tem o dobro do trabalho. Por outro lado, não faltam formações, cursos e palestras sobre os mais variados temas, que se podem frequentar, sendo pagos pela instituição empregadora. A diferença entre Inglaterra e Portugal existe, como é evidente, mas julgo que não é suficientemente grande para se sofrer um choque cultural ou algo do género. Creio ser um bom porto de chegada e um bom ponto de partida.

Confirmas que existe uma boa diáspora de enfermeiros em Inglaterra?

Não restam dúvidas de que o Reino Unido tem muitos portugueses, enfermeiros e outros. Penso que por ser a opção mais simples, num primeiro momento. No hospital onde trabalho somos já mais de 100 e, se descermos ao foco do meu serviço, já somos oito. É raríssimo fazer um turno onde não esteja acompanhada por mais um português. E isso é delicioso para quem se está a adaptar.

Satisfeita com a opção?

Olhando para trás, penso que todo o percurso até aqui foi exatamente aquele que deveria ter percorrido. As decisões foram tomadas no devido tempo, sem pressa ou insegurança exagerada. Inglaterra tem-me dado bastante quer a nível pessoal, quer profissional, pelo que avalio a experiência como muito boa. Quando assim deixar de ser, não esquecerei que existe mais mundo para lá das fronteiras da ilha da nossa majestade.
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